Portugal

De cravo na mão, os estudantes saíram à rua por um ensino superior mais livre

Mais de dois mil estudantes de todo o país manifestaram-se esta quinta-feira em Lisboa pela melhoria das condições do ensino superior. A crise do alojamento domina as revindicações de quem combina a luta com música, cerveja e muito abril.

“De Lisboa para cima, o Algarve serve só para passar férias”. A conversa com Daniela Carvalho, estudante de ciências biomédicas na universidade do sul do país, começa praticamente com um alerta em relação ao isolamento da região, um dos motivos para estar em Lisboa a manifestar-se. 

Em Faro desde 2020, Daniela aponta o dedo ao governo central que “não quer saber do Algarve”, a menos que seja para investir no turismo. Por consequência, os estudantes deslocados competem com turistas, com muito maior poderio financeiro, por uma casa para estudar. No primeiro ano de faculdade, Daniela pagava 175 euros de renda por um quarto partilhado, três anos depois o preço do quarto individual onde mora ultrapassa os 525 euros.

A situação de Daniela há muito que passou de ser uma exceção para ser a regra dos estudantes deslocados de todo o país. Atualmente, existem pouco mais de 15 mil camas em residências públicas, número insuficiente para albergar os 120 mil estudantes deslocados em todo o país. A crise no alojamento estudantil é assim uma das principais razões para a convocação de uma manifestação nacional, em Lisboa. Coimbra, Faro e Minho estiveram em peso, enquanto a Federação do Porto preferiu centrar a sua luta na Avenida dos Aliados.

O ponto de encontro escolhido foi a Praça do Rossio, que rapidamente se encheu de estudantes a quem eram distribuídos cravos numa alusão clara ao lema da manifestação “Queremos mais abril aqui”. A música, a cerveja, mas acima de tudo o reencontro com aqueles amigos que só se veem anualmente neste tipo de encontros, demonstram a especificidade dos protestos estudantis: lutam e divertem-se mesmo tempo. Enquanto o setor composto por estudantes trajados de Coimbra e de Faro gritava palavras de ordem, mas pautava pela descrição, uma franja de estudantes de Lisboa cantava efusivamente, dançava e chamava a atenção de transeuntes, que paravam por breves instantes para observar e filmar o que se estava a passar.

A subida da rua do Carmo ficou marcada por um dos momentos da tarde. A colocação de uma faixa no elevador de Santa Justa com a frase “Abril é futuro” antecedeu o lançamento de dezenas de cravos a partir da histórica atração turística, para a euforia de milhares de estudantes que tentavam apanhá-los cá em baixo.

Na dianteira da manifestação estava Guilherme Vaz, um dos organizadores da manifestação que considera ser “um grito de indignação, de revolta e muita raiva dos estudantes.” Apesar de ser estudante deslocado, o presidente da associação de estudantes da NOVA FCSH considera-se um sortudo por conseguir suportar os custos da sua estadia, ao contrário de colegas que não tiveram a mesma sorte. Visivelmente movido pela moldura humana atrás de si, Guilherme deixa um último aviso sem destinatário claro: “sabemos com quem contamos e quem nos defende”.

Guilherme, atento ao telemóvel, antes do início da manifestação

Por coincidência ou não, João Oliveira, do PCP, foi o único representante político presente no decorrer da manifestação. “Vim expressar a minha solidariedade e do meu partido” justificou, antes de alertar para a necessidade de lutar por uma “política alternativa” ao bloco central, composto por PS e PSD, também no que ao Ensino Superior diz respeito. O antigo deputado defendeu ainda que “a redução das propinas nos últimos anos demonstrou pela sua concretização que o caminho da gratuitidade é possível”.

João Oliveira seguiu lado a lado com os estudantes até à casa de democracia, sensivelmente duas horas depois de o comboio da luta ter arrancado da estação do Rossio. Neste local, juntaram-se Paula Santos, líder parlamentar do PCP, Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda e Rui Tavares, do Livre, que ouviram as queixas dos estudantes e assistiram aos discursos que aconteceram de seguida num palco montado em frente à Assembleia.

As capas pretas denunciavam a chegada dos estudantes à Assembleia, antes do por do sol

Depois de uma manifestação em que o 25 de Abril foi lembrado em cada cântico e em cada declaração, era inevitável que o final da mesma não tivesse o Grândola Vila Morena como música de fundo. Abraçados os estudantes cantaram em plenos pulmões, numa prova de força e de união, para os 230 deputados da nova legislatura ouvirem e refletirem sobre as necessidades do futuro do nosso país.

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